Uma das camuflagens da dor

Uma das camuflagens da dor

11 Julho, 2016

Final da tarde e como todas as semanas acontece, o Rodrigo* vem à consulta.

O sorriso malandreco carateriza-o. É alto, com pernas esguias mas ombros largos, como se tivesse vestido com um equipamento de futebol americano. A sua imagem é muito cuidada.

Bom aluno! Bem, neste momento…

Fala com muito à vontade de todos os assuntos da atualidade e daqueles que são do seu interesse. É muito curioso e ativo! Tem necessidade de perceber como vivem os outros para lá da sua realidade.

Contudo na escola e em casa é desafiador, tenta passar os limites e tende a mentir…

Quando lhe é feita uma pergunta mais direta onde terá que elaborar uma resposta que implique as suas emoções ou comportamentos, sente como uma ameaça e defende-se…

Uma destas tardes durante a consulta foi “retirando as vestes do futebol americano”, muito devagarinho foi inclinando a cabeça para a frente até a pousar em cima dos seus braços cruzados na secretária e aí o seu coração falou…

– Estou cansado! Já estou muito cansado…

Começou a inclinar-se para o lado, sentado na cadeira, com uma mão a segurar a mesa e o seu corpo ia em direção ao chão e ao mesmo tempo em forma de gemido saiu das suas entranhas – Estouuuuu faaaaaartooooooo…

Consegui ler as legendas que passavam invisíveis por cima de si e diziam: “sinto-me um derrotado” “não brilho em nada que faço”, “não valho nada”, “não correspondo às expetativas”… Ao partilhar consigo, disse-me – Como sabes? Não podes dizer a ninguém…

O dilema interno é intenso e angustiante e apesar da sua postura aparente passar outra mensagem, dentro vive falta de confiança, em si e nos outros…

Quem não conhece crianças e jovens que se manifestam assim?

Aprendem a dominar para não serem dominados, a mostrarem-se fortes para esconderem as fragilidades, a agredir para não ser agredido, a seduzir, a manipular… Apesar de ser desafiante estar com crianças ou jovens com este perfil, se sustentarmos a sua dor que vem carregada de mau humor, de agressividade e prepotência, usando o sentido de humor e a consistência nas nossas atitudes, aos poucos eles ganharão confiança nos outros e em si próprios.

É preciso não nos prendermos nos comportamentos que mostram, mas temos que atravessar com eles o abismo que colocam entre si e si… Visitar esse lugar muito devagarinho e ficar lá de uma forma verdadeira…

* Nome fictício
Imagem de Jason Rosewell, retirada de unsplah.com

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